ANÁLISE - Prey


Se fosse obrigado a ficar limitado apenas a um género de jogo até ao fim dos meus dias, com prontidão responderia immersive sims. A sua riqueza de sistemas e confiança dada ao jogador para interagir com o mundo representa, para mim, o que de melhor os videojogos têm para oferecer. Também porque, como fã de ficção cientifica, historicamente o género apresenta-se como o casamento perfeito e forma quase transcendente de experienciar universos e linhas temporais alternativas, submergindo o jogador em mundos contextualmente ricos, com as suas narrativas paralelas, abordagem sinuosa à construção de níveis e profundidade de lore.

Foi portanto com gáudio que reagi à novidade de que Prey iria receber atualizações nas novas consolas da Xbox (Series S/X). Desculpa perfeita para revisitar um dos meus jogos favoritos da geração passada, finalmente sem muitos dos problemas que assolaram o seu lançamento em 2017. Acabaram-se os longos tempos de espera em ecrãs de carregamento, a elevada latência de imput e o limite de 30 frames, correndo agora nuns suaves 60 frames por segundo. A vida é bela!



Prey decorre numa linha temporal alternativa onde o programa espacial Soviético entrou em contacto com uma espécie extraterrestre - Typhon - nos anos 50, o que levou a uma colaboração com os Estados Unidos a fim de conter e estudar a espécie, numa estação espacial construida para o efeito, de nome Kletka (Jaula). Isto num mundo em que Kenedy nunca foi assassinado e investiu fortemente no programa espacial, colocando a Humanidade num patamar muito mais avançado do que nos encontramos aqui, atualmente, no nosso pobre e aborrecido universo. O ano é 2035, os privados controlam a estação espacial, agora batizada de Talos I, e o potencial comercial do conhecimento adquirido no estudo dos Typhon não pode ser ignorado. Nós somos Morgan Yu, cientista e alto cargo no departamento de pesquisa da TranStar Industries e claro, não querendo estragar uma das melhores aberturas de sempre num jogo, tudo vai absolutamente correr bem, obviamente.

Eventualmente acabaremos em Talos I, que será efetivamente o mundo a que estaremos restringidos nesta aventura e onde, fruto da sua história através das décadas, iremos ver elementos arcaicos lado a lado com tecnologias de ponta, e a arquitetura utilitarista de laboratórios a contrastar com a opulência de escritórios e espaços comuns dominados pelos tons quentes das madeiras, mármores brancos e acabamentos em dourado, conferindo-lhe uma identidade estética distinta e numas das mais apelativas manifestações de arte Deco num videojogo. Para além de agradável aos olhos, Talos I é também uma demonstração exemplar em termos de design de níveis, com sectores e divisões a oferecerem vários pontos de acesso, tanto limitados pela linha de progressão das habilidades escolhida pelo jogador, como apenas pelo nosso poder de observação. Ocultando em si inúmeros segredos, pequenas historias a descobrir, importantes recursos ou pedaços de informação contextual que nos irão ajudar a construir a história deste mundo. Exploração é um dos mais importantes aspetos no género immersive sim e Prey executa todas as suas diferentes componentes de forma exemplar.



A enfatizar o seu ritmo de exploração metódica, encontram-se os encontros com inimigos. Existe em Prey um constante sentimento de vulnerabilidade e terror que nos leva a abordar cada novo espaço com a excitação de quem sabe que vai descobrir algo relevante e a curiosidade em identificar e resolver os seus puzzles ambientais, mas também sempre na espectativa de que um Typhon possa estar perto. Principalmente inicialmente, teremos de usar a nossa falta de recursos e meios de forma inteligente, procurando alternativas a um confronto frontal, tentando passar despercebido ou montando ciladas de forma a ganhar alguma vantagem. Um dos inimigos que iremos encontrar frequentemente são os Mimic, que têm como principal característica assumirem a forma de qualquer objeto no mundo, o que num jogo onde vamos passar muito do tempo a explorar e a recolher recursos é um twist brilhante a uma das mecânicas fundamentais do género.

Com o evoluir da nossa personagem todas as dinâmicas do jogo irão sendo alteradas, conforme o foco da progressão. Temos três campos principais - Ciência, Engenharia e Segurança – cada um deles com várias habilidades para desbloquear. Iremos também ter a escolha de adquirir e progredir habilidades dos Typhon - Energia, Morph e Telepatia - que irá, mais uma vez, alterar o equilíbrio do jogo, assim como ter impacto em termos de narrativa. O desbloquear destas habilidades é conseguido através de neuromods, que iremos obter ao explorar Talos I. Estabelece-se então o loop de Prey. Explorar, progredir, explorar. Não será exatamente revolucionário no género mas quando justaposto com a qualidade com que executa os seus elementos fundamentais, coloca Prey entre o que de melhor o género tem para oferecer.

Sonoramente temos aqui um excelente trabalho com uma visão bastante única. Minimal na abordagem, com uso de sintetizadores abrasivos sem grande predominância melódica, deixando o som ambiente dominar a atmosfera sonora, mas com uma abordagem bem noise, que não irá agradar a todos, nas suas acentuações sónicas. Infelizmente, embora o sound design seja brilhante do ponto de vista conceptual, a sua implementação está longe de ser perfeita, com problemas na localização espacial das fontes de ruído, assim como sons ocasionalmente a aparecerem e a desaparecerem erraticamente. Mas no geral, e dependendo dos gostos pessoais de cada um, sonicamente faz um excelente trabalho na criação do ambiente sonoro e a guiar o jogador emocionalmente de momento para momento. 




É difícil não recomendar Prey. Como jogo executa todas as premissas do género com distinção. A resolução de conflitos e exploração apelam à criatividade e o mundo tem camadas de profundidade, convidando o jogador a mergulhar nos seus conceitos, ponderar sobre os seus dilemas éticos e ir desembrulhando esta historia de detetives cósmica, com umas pinceladas de terror à mistura. Como trabalho de ficção científica é uma carta de amor ao género. Sou da opinião de que boa sci-fi deve focar-se na relação entre a personagem e o meio, e fugir de dramas interpessoais enquanto principal ferramenta narrativa. Prey é deliciosamente “antiquado” neste aspeto, não recorrendo à exploração emocional que se tornou norma em produtos que se querem de grande alcance comercial. Não há historia de amor trágica, nem personagens a serem usadas como iscos emocionais, apenas boa escrita num mundo à espera de ser descoberto.  


9/10

Jogado na Xbox Series X

Disponível também em PC, PlayStation 4, Xbox One  





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