ANÁLISE - Haven

 


Depois de em 2016 terem alcançado algum sucesso com Furi, um titulo de ação frenética onde combatíamos boss após boss, o estúdio francês The Game Bakers está agora de volta com Haven, um RPG que troca o assalto aos sentidos do seu primeiro lançamento por uma abordagem muito mais tranquila e relaxante, sem no entanto perder os traços identitários que definiram o seu primeiro lançamento; musica eletrónica de excelente qualidade e um estilo visual económico mas bastante estilizado, onde o uso criterioso de cores substitui a necessidade de texturas complexas. Antes de qualquer julgamento sobre o próprio jogo, é bom ver uma equipa pequena com uma tanta confiança na sua visão e como a mesma subsiste apesar da mudança radical de género. 

Haven é uma aventura de ficção científica, com muito leves mecânicas RPG, onde controlamos simultaneamente duas personagens em fuga do seu planeta, e do seu sistema de casamentos pré-arranjados, que procuram agora construir uma vida em conjunto no planeta Source. É por isso uma história de amor velha como o tempo, em que dois amantes estão dispostos a qualquer sacrifício para ficarem juntos, aqui numa dinâmica bem atual, com a escrita a retratar quase na perfeição as interações de um casal moderno, abordando sexualidade, ralos de banheira entupidos e o que fazer para o jantar. Melhor ainda por ser quase isento de drama e conflito, focando-se no sentimento harmonioso que une as personagens e não nas forças que inevitavelmente os vão tentar separar. 


 


Essa harmonia faz a transição da escrita para a jogabilidade de forma coerente, através do movimento. Andar neste jogo é propositadamente enfadonho, sendo comum as personagens comentarem isso mesmo cada vez que o fazemos. Como alternativa iremos passar a grande maioria do tempo a pairar por Source, contornando colinas, deslizando por linhas de energia e limpando cada sector do elemento de corrupção chamado Rust. É difícil ficar indiferente à forma elegante como Yu e Kay "voam" pelo planeta, ocasionalmente dando as mão e trocando comentários jocosos entre si. Infelizmente a estrutura do mundo entra em choque com o maravilhoso sistema de movimento.

Nem todos os jogos têm de ser Open World mas Haven, não só exige isso, pela liberalidade de movimentos, como depois vai na direção oposta, ao dividir o seu mundo em pequenas ilhas flutuantes sempre limitadas por ecrãs de carregamento que constantemente quebram o seu ritmo. Além disso, para um jogo que aposta bastante na exploração, a sua falta de diversidade visual é incompreensível. Nunca se torna incómodo, por ter um estilo visual coeso, apoiado numa morfologia fluida e texturas simples, mas é com desapontamento que aceitamos a sua extrema monotonia. Até porque nas vezes em que nos dá um vislumbre de outros ambientes, ou personagens, torna-se claro que o potencial por explorar é enorme.



Além da exploração temos também o combate. Não sendo um sistema que faça questão de ver repetido, prima por ter alguma originalidade. Temos um leque limitado de movimentos - ataque corpo-a-corpo, ataque à distância, defesa e pacificar. Os quais iremos usar para resolver o puzzle de combate conforme as combinações de adversários, o que nos vai obrigar a criar sinergias táticas entre o nosso casal, principalmente quando enfrentamos inimigos mais desafiantes. Sinto que a dificuldade é acessível, oferecendo algum desafio sem quebrar ninguém, mas acaba por revelar uma serie de problemas, pequenos inconvenientes, que se vão acumulando e deixam um travo amargo. Por exemplo, quando somos derrotados em combate somos levados de novo para a nossa base, único local onde podemos fazer itens de cura rápida e outras tarefas que seria desejável terem um acesso mais prático. Depois teremos de ir novamente até ao local onde fomos derrotados, o que pode obrigar a inúmeros loading screens cada vez que mudamos de sector ou, como acabei por optar maioritariamente, usar o sistema de viagem rápida, que tem o custo de uma refeição. Existem também locais onde é possível acampar mas onde, por exemplo, não existe a opção de armazenar refeições para posteriormente pagar uma viajem rápida, forçando-nos a uma longa viagem à base para fazer algo simples. E são várias estas pequenas inconveniências, deixando evidente alguma falta de polimento em termos de design.

Enorme destaque à musica, composta na sua totalidade por Danger (Franck Rivoire) – que já tinha contribuído em Furi com algumas faixas – onde se ouve claras influencias Electro e SynthWave, com sintetizadores a criarem texturas complexas e grande riqueza tanto rítmica como melódica. Bons temas, um atrás do outro, sem qualquer filler. Pura qualidade! Infelizmente, na mistura final, preferiria que tivesse outro relevo, assumindo um papel mais predominante. Uma questão de gosto pessoal, não um problema técnico. No entanto, e embora a escrita seja excelente e os atores de voz irrepreensíveis, as linhas de diálogo soam um pouco saturadas, quase no limite de gerar ruído. Aqui sim, algum imprevisto técnico, talvez como forma de contornar problemas de nível na captação original.




Haven é um RPG de ficção científica que se foca nas dinâmicas de um casal moderno e onde, quer as suas mecânicas, quer o seu mundo, servem de pano de fundo assessório à trama principal. Para alguns isto será insuficiente, para outros a forma ideal de experienciar algo no género sem a habitual complicação de sistemas ou mundos que exigem dezenas, ou até centenas de horas. Apesar das pequenas imperfeições de design, tem um nível de qualidade bastante elevado no movimento, escrita e música, apoiado em sistemas de combate e exploração competentes. Quem quiser uma curta aventura que lhe levará pouco mais de 10 horas, Haven é uma história que vale a pena viver. 


7.5/10


Jogado na Xbox Series X

Disponível também em: PC, PlayStation, Nintendo Switch

Comentários

Mensagens populares deste blogue

ANÁLISE - Unto the End

GAMEPASS - 5 tesouros escondidos

ANÁLISE - Narita Boy