ANÁLISE - Genesis Noir


Conforme fui reunindo algumas ideias sobre Genesis Noir, dei por mim numa encruzilhada. Por um lado facilmente será um dos pontos altos do ano enquanto experiência, por outro , como jogo, é menos que mediano. O que me trouxe de volta a um pensamento recorrente sobre a natureza dos videojogos, que é que; a maior maldição que assola o meio é a forma como foi batizado. O significado da palavra “jogo” não só cria um estigma social e o minimiza junto do público (e não público) como também restringe quem cria jogos ao continuo uso de sistemas pré estabelecidos em vez de procurar, antes de mais, criar uma linguagem para a interação entre o meio e o utilizador. Claro que as coisas são como são por algum motivo, neste caso o facto dos Humanos terem uma resistência natural a aprender algo novo e preferirem o conforto de uma linguagem que já conhecem, conjugado com o nosso cérebro recompensar-nos por repetir consecutivamente a mesma ação com sucesso. O que nos levaria a um outro debate em como muitos dos títulos que disfrutam de enorme sucesso são mais máquinas de adição do que produtos com efetiva substância do ponto de vista criativo.

Mas não quero minimizar a importância e o valor dos sistemas em videojogos, títulos como Breath of the Wild demonstram sem sombra de dúvida que o desenvolvimento e sobreposição de mecânicas é em si mesmo uma arte e talvez a expressão máxima num meio onde a interatividade é um elemento tão fundamental como "imagens em movimento" para o cinema. Também não será menos verdade que títulos que muitas vezes são catalogados negativamente como walking simulators, continuam a oferecer excelentes experiências interativas mesmo que não caiam dentro do que seria designado como “jogo”, por não terem um sistema de pontuação ou ecrã de Game Over, e que existe uma granularidade tão ampla entre o extremo de algo especificamente construído para viciar o jogador ou o oposto, um titulo onde o foco é contar uma história, que não é razoável sequer sugerir que se criem designações diferentes para cada um.




Genesis Noir é sistemicamente muito simples. A interação faz-se num estilo point-and-click, resolvendo puzzles que vão desde o básico até à simples interação contextual como elementos presentes no ecrã a fim de ir avançando a narrativa. Ao longo das suas 4 horas existirá talvez um puzzle que pode dar um pouco mais de trabalho, mas será a exceção. Infelizmente por duas vezes vi-me forçado a reiniciar o jogo por dois dos puzzles terem um bug. Noutras alturas vamos simplesmente deslocar o nosso personagem pelo cenário, mais uma vez sem grande desafio, simplesmente de ponto A para B. Mas tudo isto são decisões conscientes por parte dos criadores assegurando-se que mantém um nível de interação que não quebre a fluidez com que obviamente a ação foi meticulosamente planeada. Será também importante, ao olhar para o seu modelo de jogo, compreender que apesar de ser mecanicamente elementar, pede ao jogador uma certa diversidade de interações sem a necessidade de usar tutoriais ou mensagens de texto a explicar ao jogador o que pretende dele, estabelecendo com sucesso uma linguagem que tanto funciona numa cena em que temos que plantar uma semente como noutra em que vamos tocar saxofone ao desafio com um contrabaixista.

E efetivamente seremos colocados em inúmeras situações ao longo da nossa aventura. Em Genesis Noir assumimos o papel de No Man, um vendedor ambulante de relógios que para tentar impedir o assassinato da sua amada está disposto a tudo, até parar o Big Bang e a criação do próprio universo. Iremos então embarcar numa demanda de proporções cósmicas, através de biliões e biliões de anos onde não existem limites à criatividade. Uma aventura delirante ao som de Jazz e música ambiente, com um estilo visual surrealista dominado pelo preto e branco, frequentemente a roçar o abstrato. E se for preciso um argumento para convencer mentes mais teimosas a experienciar este titulo por não haverem mecanismos para manter o jogador no loop direi que, apesar de não haverem números para se aumentar ou peças de loot para colecionar, o ritmo de constante inventividade visual e sonora com que vamos sendo presenteados é em si mesmo a recompensa à progressão.



A narrativa é separada em diversos capítulos, que podem ser acedidos separadamente após serem completados, cada um numa fase evolutiva do universo, onde somos introduzidos a conceitos cosmológicos antes de sermos mergulhados na bizarria que se segue. Num momento podemos estar numa paragem de comboios para uns minutos depois estarmos a andar pelo universo rumo a uma estrela ou a correr pela Terra no momento em que o impacto que extinguiu os dinossauros ocorreu.

Paralelamente iremos também sendo introduzidos à trama emocional que é o triângulo amoroso entre nós, a nossa amada Miss Mass e o assassino Golden Boy, e os eventos que levaram ao trágico despontar do Big Bang. E embora seja uma obra bastante abstrata, onde a parte audiovisual se sobrepõe a todos os outros elementos, surpreendentemente consegue também construir uma narrativa coerente que se vai solidificando com o aproximar do fim e que – tenho de admitir - me conseguiu deixar emocionado. Isto não apenas pela história em si mas porque, num jogo que já de si exibe a sua criatividade com orgulho, os momentos finais são de uma exuberância criativa apoteótica, sabiamente subvertendo inúmeras das regras pré estabelecidas para alcançar um daqueles momentos de singularidade criativa onde jogabilidade, narrativa, música e visuais se unem e só me apetece gritar “Videogames!!”.




Genesis Noir é uma experiência única mas que não vale somente pela sua diferença e originalidade. Algures entre um filme de animação e um jogo, não vale a pena debater em que caixinha de preconceitos devemos inserir esta obra, e se devemos ou não apreciar a mesma com base nisso. Um triunfo do meio e obviamente uma manifestação de amor construída meticulosamente com base na harmonia entre a sua excelente animação e soberbo desenho sonoro, num universo rico em conceitos e onde o limite é a imaginação. Não sendo perfeito, sofrendo muito pontualmente de problemas de ritmo e alguns bugs, que espero que sejam limados em futuras atualizações, é simplesmente brilhante e um titulo obrigatório em 2021. 


8/10


Jogado na Xbox Series X

Disponível em PC, Switch, Xbox One, macOS








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