ANÁLISE - Dandara: Trials of Fear

 



Talvez por ser gamer há demasiados anos e sendo a indústria dos jogos tão dependente da repetição das suas próprias fórmulas, é sempre com agrado que reajo à experimentação sobre ideias estabelecidas. Mais ainda se o foco cultural de um jogo não é centrado somente em lugares comuns sobejamente já explorados. Dandara - Trials of Fear, traz-nos um metroidvania com alguns twists tanto no movimento como na construção de níveis e, como alternativa aos panos de fundo standard a que fomos habituados, leva-nos a um mergulho no tropicalismo brasileiro aplicado aos videojogos na sua fusão de esoterismo e cultura urbana com laivos psicadélicos.



Inspirado na figura histórica com o mesmo nome, Dandara, uma escrava guerreira que combateu contra o sistema esclavagista, a nossa personagem personifica a libertação criativa face às opressoras forças materialistas que dominam os habitantes deste mundo chamado Sal. Algo que o jogo traduz com sucesso através do seu modelo de jogo, pois em Sal movemo-nos livres dos constrangimentos da gravidade. Não existe propriamente uma ideia de cima ou baixo (ou lado), não andamos ou corremos, em vez disso o nosso personagem salta entre pontos de contacto específicos bem delineados no cenário, desafiando as leis da física. Inicialmente, pela sua natureza contraintuitiva isto poderá criar alguma estranheza mas, logo após o primeiro nível de tutorial, estaremos à vontade com esta mecânica de movimento. É simples, funcional e, com o avançar do jogo e conforme nos tornamos mais confiantes, o seu domínio é recompensador pela forma veloz e ágil com que nos é possível executar um sector.

Fundamentalmente encontramo-nos perante um titulo clássico de plataformas que usa as suas influências de jogos como Castlevania na lapela, com forte ênfase na exploração e aquisição de poderes com os quais iremos ter acesso a novas áreas. Como é exigido no género, Dandara apresenta um bom level design e, devido à liberdade de movimentos, permite-se a alguma excentricidade na sua construção, sendo complexo mas simultaneamente não demasiado nebuloso a transmitir ao jogador o que pretende dele. Os seus puzzles, quer ambientais quer de combate, são consistentes na sua dificuldade, evoluindo progressivamente de forma equilibrada, exortando o jogador sem nunca se tornarem esmagadores em termos de desafio. Alguns pontos de progressão irão exigir mais do jogador mas estamos a falar de, talvez, quatro ou cinco tentativas. Nada que nos faça arrancar os cabelos em desespero. Pelo menos até à batalha final onde a curva de dificuldade pode ser um pouco ingreme para alguns. Pessoalmente adorei a complexidade do que é exigido ao jogador em termos de coordenação e precisão de movimento, oportunidade perfeita para levar ao limite o que se aprendeu, sendo que no fim estava com aquele pico de adrenalina que só uma boa boss fight pode dar. Um final verdadeiramente apoteótico. 



Não está no entanto isento de falhas. Embora, como já referi, seja um jogo bem desenhado, executando com sucesso o loop de exploração/progressão, o mapa é demasiado parco em informação, limitando-se ao essencial. A área em que estamos é destacada no mapa, a informação das zonas e portas por explorar é clara e, mesmo quando algo desorientados pela rotação de alguns níveis, usando os pontos de saída como referencia é possível nos situarmos com exatidão. Mas a total ausência de marcação de pontos de interesse, personagens ou itens por abrir, pode trazer alguma frustração para quem tiver instintos completicionistas ou para jogadores com menos sentido de orientação. Isto com exceção da “Terra dos Sonhos” em que o mapa é inútil e o desenho confuso por natureza. Felizmente não é uma área vasta e essa confusão é claramente intencional.   

Também visualmente apresenta alguns problemas fruto de alguma inconsistência. Apesar do bom trabalho de pixel art, algumas áreas são muito mais bem conseguidas que outras e, por norma, o desenho de inimigos - excetuando os bosses - é francamente desinspirado, sofrendo de uma geral falta de coesão temática. É de lamentar porque nas alturas em que alcança essa coerência o jogo transcende-se. Apesar dos defeitos apontados o resultado final é aceitável mas está no seu melhor quando rompe com a sua monotonia funcional em momentos mais evocativos, como quando nos apresenta uma nova personagem, um local ou um boss.  

Área onde não apresenta qualquer tipo de problemas é a da música com Thommaz Kauffmann a fazer um trabalho simplesmente fenomenal. Música num meio multimédia como os videojogos têm a capacidade de arruinar ou salvar o produto final e neste caso, embora Dandara não precise de ser salva, sem dúvida que serve de multiplicador, tornando tudo o que é OK bom e tudo o que é bom excelente. Uma eletrónica leve, por vezes mais ambiental, outras ritmada com belos arranjos de piano e coros a materializarem o carácter bizarro e surreal de Sal, sem falhas, sem problemas de implementação, perfeitamente inserido neste universo. Não é de todo comum passar o dia ansioso para ir jogar um jogo com a expectativa de o ouvir, este conseguiu atingir esse feito. Uma excelente banda sonora e também um excelente álbum por si só. 





Dandara - Trials of Fear não é apenas mais um metroidvania perdido num mar de títulos impossíveis de distinguir entre si. Embora seja bastante fiel às tradições do género dá-se também ao direito de se reinventar e convida o jogador a uma viagem ao surreal místico da cultura brasileira enquanto ao mesmo tempo aborda temas de violência e opressão com um notável sentido poético na sua escrita. Alguns poderão sentir alguma frustração pela forma como abandona o jogador entregue a si mesmo, sem lhe apontar o caminho, mas a sua progressão é razoavelmente intuitiva e recompensadora. Merecia sem dúvida um pouco mais de coesão a nível visual de forma a que a sua apresentação pudesse estar à altura das suas personagens, narrativa e música. Merecia também um orçamento maior para elevar todos os seus diferentes elementos ao próximo nível. Facilmente recomendável a fãs do género. 


7.5/10

Jogado na Xbox Series X

Disponível em: Xbox One, PS4, Switch, iOS, Android, PC






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