ANÁLISE - Cyber Shadow

 


O dicionário diz-nos que nostalgia é “saudade de alguma coisa, de uma circunstância já passada, de uma condição que deixou de possuir, de um lugar, de algo que já viveu“ mas as suas raízes etimológicas apontam-nos noutro sentido. Do grego nóstos "ato de regressar, regresso" + algos "dor", nostalgia é então o regresso a uma dor, um pouco como Cyber Shadow, mais do que a saudade de tempos passados é um regresso a um lugar de dor, um tempo em que os jogos eram insensatamente difíceis para esconder o facto não terem assim tanto conteúdo.

Inicialmente Cyber Shadow peca pela escassez de ideias. Não apresenta grandes obstáculos à progressão e parece apenas uma homenagem a meio gás a jogos de plataformas da era NES, pecando por demorar demasiado até que o jogador adquira habilidades básicas, como duplo salto, subir paredes ou lançar shurikens, que o tornam bastante mais interessante. Os níveis são desinspirados, as boss fights demasiado fáceis, tudo bastante morno. Isto é até cerca de metade da sua duração, momento em que então se torna infernal pelo medíocre e arcaico level design.



É uma experiência algo complicada de julgar. Dificuldade não é algo que me leve a não gostar de um jogo e não me parece justo dizer que um jogo é mau por ser difícil. Mas a forma como Cyber Shadow lida com dificuldade resulta mais em frustração do que no sentimento de satisfação por finalmente conseguir bater uma secção . O pior que posso dizer é que no seu ponto mais baixo assemelha-se a um mau nível feito por um amador no Mario Maker, com demasiados pontos de morte imediata, colocação traiçoeira de inimigos e passagens que requerem uma precisão exata ao nível de um pixel, tudo isto contraposto a um sistema de chekpoints que embora não terrível precisava de ser aprimorado por ser demasiado punitivo, obrigando o jogador frequentemente a bater vários sectores exigentes sem um ponto de save intermédio.

Na maior parte do tempo Cyber Shadow é ok, só ok. Em 2021 espero que um jogo destes apresente algo diferente, alguma mecânica que subverta expectativas lançadas pela sua abordagem retro, que me leve a algum local inesperado. Mas não, em vez disso é um jogo aborrecido, extremamente competente a captar a magia de jogos da era 8-bit mas sem nada que realmente o eleve. Do ponto de vista do seu desenho nada me deixou entusiasmado para saber o que viria a seguir. A sua maior surpresa é a sua geral falta de surpresas, ainda mais sendo um jogo distribuído pelas mesmas pessoas que fizeram o seminal Shovel Knight, um jogo também de inspiração retro mas que triunfa em todos os pontos que Cyber Shadow falha. E nas poucas ocasiões em que lança algo novo na nossa direção rapidamente o lança no lixo, como que a não querer tomar o risco de se tornar demasiado interessante. 

Mas não posso ignorar o facto de que não desisti quando podia apenas me ter limitado a largar o comando e partido para a próxima experiência. Primeiro permaneci com o jogo porque pensei que não podia ser só o que aparentava ser. De certa forma acertei. Quando se tornou verdadeiramente desafiante pensei que junto com a dificuldade haveria algum twist que iria virar o jogo de pernas para o ar, errei. Então meio desalentado decidi que o ia bater por pura teimosia. Esta minha persistência em muito foi ajudada pela sua jogabilidade. Em todos os meus momentos de desespero e frustração nunca por um segundo culpei o controlos por tal. De forma geral, talvez com a exceção do último nível, os controlos são muito bem implementados, com o nosso personagem a ter uma boa precisão de movimentos. E uma vez que se conheça o layout de um nível torna-se gratificante dominar o mesmo pela aplicação das nossas habilidades.



Visualmente temos um excelente trabalho de pixel art. Bom uso de cores, bom design de personagens e bosses. O mundo embora extremamente previsível, com todos os lugares comuns esperados no género, é bastante evocativo e sempre de muito fácil leitura por parte do jogador, nunca sendo um obstáculo à progressão pela dificuldade em identificar diferentes fontes de perigo. Mas mais uma vez vou ter de o dizer, até na sua abordagem visual soberbamente executada não há nada de excitante, limitando-se a ser exatamente aquilo que se espera de um jogo com os limites de hardware dos anos 80, feito hoje sem esses limites.

O mesmo se passa com a música e efeitos sonoros. Sim, soa ao que se espera que chip tune soe feito hoje em dia mas não mais que isso. O maior problema é que em cima da sua previsibilidade, e ao contrário do fantástico trabalho gráfico, a música é na sua grande maioria de composição francamente medíocre. Com exceção de talvez três ou quatro excelentes faixas, tudo o resto vai do simplesmente presente ao incómodo, havendo momentos que que tive de parar de jogar para descansar os meus pobres ouvidos fustigados pelo interminável bip bop bip de uma melodia irritante.




O pior pecado de Cyber Shadow é a sua execução nunca se encontrar totalmente em paz com a sua dificuldade. Quero dizer, quer mecanicamente, quer no seu level design, quer visualmente ou sonoramente nunca oferece realmente nada para além da simples recompensa de uma progressão insípida. Mas ao mesmo tempo, olhando apenas como uma tradução literal e maquinal de um conceito de jogo retro para os tempos atuais, não há dúvida que cumpre totalmente os seus objetivos. Mérito também à implementação dos controlos que tornam possível navegar a qualidade duvidosa dos seus níveis e trazem alguma satisfação à relação sado-masoquista que se vai construindo ao longo desta aventura. No fim, tudo somado, a sua visão ultra-conservadora sobre a noção de nostalgia traz-nos mais para um lugar de dor do que para um de prazer. Recomendado para fãs da cena retro e quem goste de um desafio mas jogadores mais casuais que deem valor ao pouco tempo que têm disponível para o seu hobby devem manter-se longe.  



6.5/10

Jogado na Xbox Series X

Disponível em: PC, Xbox One, PS4, Switch

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